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Caminho dos Faróis - Rio Grande do Sul

  • Foto do escritor: Marcia Diniz
    Marcia Diniz
  • 23 de mai. de 2024
  • 10 min de leitura

Atualizado: 14 de jun. de 2024


Percorrer o Caminho dos Faróis em dezembro/2023 foi muito mais do que caminhar 190 km durante 8 dias, saindo do povoado de Capilha, Rio Grande/RS, as margens da Lagoa Mirim, passar pela estação ecológica do Taim até o litoral, e seguir pela praia até o balneário da Barra do Chuí, Santa Vitória do Palmar/RS na divisa com o Uruguai.



travessia da Praia do Cassino - Rio Grande do Sul
Praia do Cassino - Rio Grande do Sul

Foi uma experiência singular e transformadora, de muito aprendizado atravessando a praia deserta entre conchas, fosseis e dentes de tubarão deixados pelas ondas das marés, tendo à esquerda o mar e o barulho incessante das ondas e a direita, dunas e faróis, e nas noites, acampamento a beira mar sem comunicação com o mundo virtual.


Vivenciar momentos únicos como os que descrevo esta acessível a todos que buscam a paz pelos caminhos no site https://www.caminhodosfarois.com.br/.


Nossa expedição iniciou com viagem em van a partir do aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, com destino a Capilha, na cidade de Rio Grande/RS, onde jantamos e dormimos a primeira noite nas casas do povoado.


Capela que deu nome ao povoado Capilha.
Capela do povoado Capilha.

Éramos 23 pessoas, entre guias, equipe de apoio e caminhantes, todos envolvidos pelo cuidado e carinho mútuos sob a liderança do Fernando, e tivemos uma convivência harmoniosa durante os 10 dias que ficamos juntos.


Grupo que participou da expedição
Grupo que participou da expedição

As 6:30 da manhã seguinte já estávamos de pé. As 7:30 horas, após um belo café da manhã na casa da Bianca, iniciamos o primeiro dia de caminhada pela região da Reserva Ecológica do Taim até o primeiro acampamento próximo ao Farol Sarita. Paramos para almoçar aos pés de uma Figueira gigantesca, com mais de 300 anos. Registrei no aplicativo Strava 28,42 km percorridos em 10:09 horas, sendo 7:12 horas de movimento.



Primeiro acampamento
Acampamento Sarita

Foi a primeira vez que dormi sozinha numa barraca armada muito próximo da praia, embalada pelo som das ondas. Na madrugada tivemos temporal com ventania. Acordei para ir ao banheiro e quando me preparava para sair da barraca ouvi cair os primeiros pingos da chuva forte. O vento açoitando a barraca e eu esperando ela ser arrancada da areia a qualquer momento. Ela resistiu e permaneceu seca. .


Quando a chuva passou, sai da barraca, me deparei com a escuridão da noite e pisei a areia encharcada. A experiência não foi nada agradável. No dia seguinte cortei uma garrafa pet pela metade e levei para a barraca. Se tornou um ótimo penico, mas o risco de virar dentro da barraca era grande. Os amigos da caminhada me disseram que a orientação da Janaína era incluir na mochila um pote com tampa para servir de penico.


Nosso despertar nos acampamentos a cada manhã era bastante inspirador. As 5:30 passava o Fernando dizendo “Bom Dia” e deixando uma cadeira na porta de cada barraca para facilitar nos vestir ao som da música “Este es um nuevo dia”, na voz de Facundo Cabral, um cantor e compositor argentino que eu não conhecia. A musica, logo no primeiro verso me encantou.


Esta es la canción que más me gusta cantar

La canto cada mañana para agradecer la tremenda gentileza del Señor

De darme la chance de un nuevo día

Es decir

Empezar de nuevo (...)


A biografia de Facundo na internet informa ser ele o Rodolfo Enrique Cabral que aos nove anos, fugiu de casa com um plano: encontrar o presidente Perón e pedir um emprego para si próprio e para a mãe, pois viviam em situação de extrema pobreza. Chegou a Casa Rosada após dias e conseguiu furar o cerco da segurança e ser ouvido pelo presidente, que atendeu seu pedido. Aos 14 anos, sem estudo, alcoólatra, vivendo na marginalidade, foi levado para um reformatório de sacerdotes jesuítas, onde aprendeu a ler e a escrever, e conheceu a literatura mundial, a filosofia e a religião. Quando saiu do reformatório, iniciou a carreira artística, tocando violão, cantando músicas folclóricas e compondo. Exilou-se no México durante a ditadura e quando retornou à Argentina era um artista consagrado. Pacifista e livre pensador, pregava a tolerância social. Em 2006, foi nomeado Mensageiro Mundial da Paz pela Unesco e, em 2008, indicado ao Nobel da Paz. Em 2011, com 74 anos, depois de fazer um show na Cidade da Guatemala, aceitou uma carona de um empresário da cidade e morreu numa emboscada.


No segundo dia, deixamos o acampamento as 06:47 horas e iniciamos a caminhada a beira mar, a nossa frente a praia infinita.


travessia da Praia do Cassino
Praia do Cassino - Rio Grande do Sul

A programação do dia era percorrer 26 km. Até a parada para o almoço eu já havia caminhado 17,45 km e, por sugestão do Fernando, atento a minha dificuldade de caminhar na areia em função de lesão no quadril em processo de recuperação, utilizei o resgate para chegar ao Acampamento das Cabras. Foi uma ótima decisão e nos dias seguintes, caminhava cerca de 15 Km até a parada para almoço e seguia para o próximo acampamento com o Paulo, responsável por nos levar o almoço.


Atravessamos diversos arroios no caminho (pequenos cursos d’agua saídos das dunas para desaguar no mar). Para não molhar as botas, levamos 02 sacos de lixo de 100L mais resistentes para vestir nos pés em cada travessia. Achei a ideia genial, não gosto de andar com bota molhada. Em outras travessias. me sentava para tirar as botas e depois de atravessar, secava os pés e calçava novamente.


vestir um saco de plástico para não molhar os calçados
Travessia de arroio na Praia do Cassino

No terceiro dia a programação era avançar 25 km pela praia deserta, também chamada de "abismo horizontal". Dormimos num bosque de pinheiros, Acampamento Canadá.


Acampamento do quarto dia
Acampamento Canadá

Iniciamos o quarto dia com a coleta de mais de 100 quilos de lixo em poucos metros de praia. Basicamente plástico, vidros e cordas do mundo inteiro, transportados pelas correntes marítimas. Foi uma singela colaboração do grupo para a limpeza daquela praia paradisíaca. Seguimos por 14 km até o Farol do Albardão. Lá encontramos 02 militares da Marinha que nos receberam com carinho e conduziram até o alto do Farol para mostrar o seu funcionamento. Aprendemos que a pintura externa e os sinais luminosos são exclusivos de cada Farol. Fernando os convidou para nos visitar no acampamento e jantar conosco. Neste dia tivemos arroz com feijão preto delicioso preparado pela Bianca e churrasco assado num braseiro improvisado pelo Fernando.


escadaria de acesso a torre de controle do farol
Farol de Albardão

No trecho do dia seguinte, os marinheiros nos acompanharam. Deixamos a praia e caminhamos na direção das dunas vistas do alto do Farol até a Lagoa Mangueira. Seguimos descalços uma parte do caminho pisando as areias limpas daquele lugar sagrado. O deserto de areia é salpicado de sumidouros formados pelo lençol freático superficial, onde o pé afunda na areia mole.


Atravessando areia mole na Praia do Cassino
Praia do Cassino - Rio Grande do Sul

A vegetação escassa, encontramos duas figueiras que resistiram ao açoite do vento. Neste dia não tivemos resgate. Caminhei 22,26 Km, boa parte sob areia fofa. Foram 9:31 hs de caminhada até o Acampamento Oasis.


No sexto dia foi mais difícil para mim, a areia fofa do dia anterior tinha deixado algumas avarias no meu quadril. Iniciamos a caminhada pela região dos "concheros" rumo ao hotel abandonado.


O hotel foi construído na década de 50, quando não existia a Estrada do Taim. O hotel era um parador para quem ia para o Chuí ou Uruguai. Os ônibus e carros passavam pela praia. A movimentação das dunas trancou o caminho pela praia, o hotel foi abandonado e a areia tomou conta. O ultimo acampamento foi próximo dali.


Telhado de hotel soterrado pela areia - Praia do Cassino
Hotel abandonado - Praia do Cassino

No sétimo dia caminhamos pela Praia do Hermena. Neste trecho encontramos algumas pessoas que viviam por ali e oscilante, o sinal de internet. Passamos pelo 'Varal de Orações" e lá deixamos escrito numa bandeira branca, nossas orações e pedidos de bênçãos para serem levados ao Universo pelo vento, seguindo a tradição tibetana. O Fernando explicou o significado de cada uma das cores das bandeiras e a relação delas com as "Cinco Sabedorias do Budismo"


bandeiras tibetanas: vermelho, verde, amarelo, azul e branco
Varal de Orações - Praia do Hermena

Existem 5 qualidades búdicas que se conectam diretamente com a felicidade, são as sabedorias dos cinco Diani Budas: sabedoria do espelho, sabedoria da igualdade, sabedoria discriminativa, sabedoria da causalidade e a sabedoria de Darmata.


São simbolizadas pelas cores das bandeiras tibetanas: vermelho, verde, amarelo, azul e branco.

  • A sabedoria da cor azul, que é a sabedoria de olhar para o outro e acolhê-lo do jeito que ele vem. Isso é também chamado de sabedoria do espelho.

  • A cor amarela representa a sabedoria da igualdade. Essa é uma habilidade que não pode faltar em nós: se há alguém que está em dificuldades, aquele alguém nos interessa.

  • A sabedoria discriminativa e representada pela cor vermelha. A sabedoria de entender o outro, a sabedoria de acolhê-lo, de fazer brotar a energia que vai trazer benefício a ele.

  • A cor verde, simboliza a ação da sabedoria da causalidade. A causalidade é assim: nós fazemos um tipo de ação e aquilo produz resultados. Precisamos entender como se dão os resultados, em níveis mais profundos e mais superficiais – em todos os níveis! Precisamos entender como os resultados são manifestados e aprender a produzir resultados positivos e evitar resultados negativos.

  • A cor branca representa a sabedoria de Darmata, a compreensão do espaço básico. A sabedoria de ver o que nós verdadeiramente somos.


A origem das cinco sabedorias é essencialmente aquilo que vamos tomar como referencial para nossas ações.


Essas cinco sabedorias geram imediatamente a possibilidade de nós utilizarmos os meios hábeis, que são as Quatro Qualidades Incomensuráveis: compaixão, amor, alegria, equanimidade, e as Seis Perfeições: generosidade, moralidade, paz, energia constante, concentração e sabedoria.

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Se utilizamos esses dez itens, somados às cinco sabedorias, tomados em quatro diferentes níveis: corpo, fala/energia, mente e paisagem como referenciais, além de ações do corpo, precisamos agir a partir desses referenciais com nossa energia e nossa fala, ou seja, nossas emoções e nossos impulsos. E também a nossa mente precisa estar comandada por isso, e a nossa compreensão, a nossa visão de mundo, a visão das circunstâncias onde nós estamos, todos estes aspectos devem estar harmonizados com essa visão.


Se isso não ocorrer, podemos pensar: “os ensinamentos budistas não servem para o mundo de hoje, não servem na Receita Federal onde eu trabalho, não servem na universidade onde eu estudo. Eles são bons aqui, mas não em algum outro lugar”.


É necessário que o lugar no qual vivamos seja um lugar onde possamos sentir que esses ensinamentos são úteis. Nossa visão de mundo, em todas as circunstâncias, tem que estar harmonizada a esse tipo de ação.



O varal havia sido instalado ali quando o Fernando passou por lá conduzindo o primeiro grupo iniciado no dia 13/10/2013. Na ocasião fizeram um ritual xamânico de cura, O Ritual do Perdão. Apresentaram o projeto e pediram permissão ao Universo e aos quatro elementos a volta de uma fogueira acesa próximo ao Varal, numa noite de lua cheia do dia 18/10/2013. Ali se estabeleceu um local de peregrinação.


Nesta noite dormimos numa Pousada na praia do Hermenegildo, tivemos banho quente reconfortante e um jantar especial preparado pelo Fernando e a Janaina. Serviram uma sopa de abobora com requeijão deliciosa.


Após um café da manha delicioso, seguimos no ônibus para à Barra do Chuí, na fronteira com o Uruguai e Farol do Chuí. Visitamos o Farol do Chuí, e o Fortin de San Miguel. Tivemos tempo livre pra umas comprinhas na zona de livre comércio do Chuí e retornamos para pernoite no Balneário do Hermenegildo.


Farol no ponto extremo do Brasil
Farol do Chuí

Dia seguinte, iniciamos a viagem de retorno logo cedo. A viagem e ônibus do Chuí até o aeroporto de Porto Alegre levou cerca de 8:00 e cada um seguiu com destino aos seus domicílios.


Valiosas lições do Caminho dos Faróis


Foto com autor do livro: Fernando Souza Neto
livro “Peregrino Off Road – sou todo ouvidos”,

Desta vez, voltei para casa e continuei meu caminho lendo o livro “Peregrino Off Road – sou todo ouvidos”, escrito pelo Fernando Souza Neto, narrando sua jornada solitária no Caminho dos Faróis. Foi dai que surgiu a ideia de “facilitar a experiência de silencio em contato com a natureza” a outras pessoas que queriam, mas não tinham coragem para fazer sozinhos ou achavam que não tinham preparo físico suficiente.


Logo no começo destaquei e enviei print de uma página a um amigo. No decorrer de sua experiência pioneira, Fernando concluiu que “Ser rico é ter tempo” e não e bom gastar o nosso tempo apenas trabalhando para ganhar dinheiro e comprar coisas. “A vida é um dom. E sua riqueza consiste em dispor tempo, foco e atenção a serviço do desfrute deste imensurável presente do Universo.”


A leitura me proporcionou um valioso aprendizado e compreensão da dinâmica do caminhar e silenciar a mente para saborear o momento presente.


O livro é muito bom e reúne, em linguagem coloquial, preciosos ensinamentos aos que dedicam tempo de suas vidas à atividade de caminhar. Neste artigo vou incluir, algumas referências aos temas tratados no livro.


Encontro com a paz e liberdade interior


Nas duas vezes que cruzei a Espanha de leste a oeste pelo Caminho Francês até Santiago de Compostela, aprendi que o caminho nos caminha enquanto o caminhamos. Conseguimos nos libertar do peso de culpas inconfessáveis e viver momentos preciosos. O juiz mais severo de nossos atos somos nós mesmos. Registrei minhas experiências numa publicação neste blog, de onde destaco:


“Vivi intensamente cada passo do caminhar. Tomei consciência do potencial do meu corpo respondendo aos estímulos recebidos, motivação e força para superar limites e sentir o prazer do fluxo intenso de dopamina, ocitocina e adrenalina, mergulhei profundamente no relacionamento com meu mundo interior e nas sensações que o amor traz. Muita gratidão ao universo por momentos tão especiais.


Caminhar me proporcionou saúde física, mental e espiritual. Foi um sopro de vida a me energizar. Passei a vida a limpo, fiz as pazes com muitas partes minhas e voltei para casa me sentindo mais inteira para ser mais eu.”


Fernando foi fenomenal, retalhou e destrinchou a “Metamorfose Ambulante” que somos. Na página 145 de seu livro, registrou:


“O caminho real do peregrino é interior. Apesar de palmilhar a praia, ele se desloca mesmo e dentro de si, da sua paisagem mais intima. Ele palmilha cada sensação, cada lembrança, cada memória, cada emoção, cada obscurecimento que vincou seu rosto e espírito. Cada bloqueio, cada dor, cada trauma sutil está em sua mochila, em sua bagagem pessoal. Mas ele não usa a bagagem como escada para subir ao pódio mais alto, além ou acima dos demais. Degrau por degrau, seus pés pisam o caminho em busca de compreensão, de ampliação da consciência, de amorosidade, de perdão, de alívio em relação ao peso-morto que possa estar sendo arrastado em inútil penitência. Sua jornada é por transcendência, largar, abandonar, deixar ir, quebrar correntes, soltar amarras de tudo aquilo que passou e não faz mais parte da jornada. Toda dor tem prazo de validade. O que está vencido, deve ser rejeitado ou nos envenenará. Se algo não nos ajuda a progredir, se não abençoa o caminhar, então, deve ser descartado. Se algo não nos faz crescer, evoluir, é atraso, é descaminho. Aquilo que retemos com força ou apego demasiado, pode nos sufocar logo adiante. Para irmos mais longe, devemos andar com leveza. Sobretudo, não devemos nos deter onde não houver amor. Sigamos em frente, a nossa verdadeira guarida nos espera".


A importância do silenciar a mente e manter o foco no momento presente


Durante o caminho, os pensamentos fervilharam na minha mente, vagando entre situações passadas mal resolvidas e decisões que me levaram a experiências amargas.


Eu sou bastante ansiosa e não consigo meditar parada. Venho tentando praticar a meditação ativa enquanto faço exercícios na academia ou caminho ao ar livre.


A meditação ativa é realizada por meio da atenção plena. Na academia eu foco minha atenção no músculo que esta sendo ativado e desta forma consigo controlar a minha mente no momento presente.


Fernando deu ênfase especial na importância de estarmos presentes no caminho enquanto caminhamos.


Mapa do Caminho dos Faróis
Caminho dos Faróis



Vivemos como nomades durante a travessia
Certificado de Nomade


A união faz a força
Chegada no Fatol do Chui







 
 
 

1 Comment


rosilenersilva
May 23, 2024

Márcia, que relato emocionante.

Como eu gostaria de ter participado dessa experiência com vocês. Com a sua fala, eu escuto o meu coração: tudo a seu tempo, a sua hora vai chegar.

Parabéns peregrina.

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